Criptomoedas podem ser tributadas por Imposto de Renda?
As criptomoedas têm ocupado cada vez mais espaço no cenário financeiro, mas como elas se encaixam no complexo universo da tributação? Vamos explorar as intricadas questões que envolvem o Imposto de Renda e as operações com moedas digitais.
O Imposto de Renda e seus Princípios Fundamentais
Antes de adentrarmos nas criptomoedas, é crucial compreender como a renda é tributada. O Imposto sobre a Renda (IR), embasado na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/88), segue princípios como generalidade, universalidade e progressividade.
Dessa forma, o Imposto de Renda, em tese, deveria ser instituído abrangendo todas as pessoas (generalidade), todas as rendas (universalidade) e graduado de acordo com o aumento da riqueza (progressividade). No entanto, o legislador, considerando outros princípios igualmente importantes, como a isonomia (“tratar os iguais de forma igual e os desiguais de forma desigual na medida de suas desigualdades”) e a capacidade contributiva, segmentou o imposto diferenciando-o para determinadas classes de rendimentos.
O Código Tributário Nacional (CTN), no que pese ter nascimento anterior a CRFB/88, foi recepcionado por esta, e, ao regulamentar o referido imposto, estabelece que a renda, para ser tributada, deve representar disponibilidade jurídica ou econômica (princípio da realização da renda).
A renda, para ser considerada disponível, deve ter sido adquirida em caráter definitivo, incontestável e incondicional, isto é, já está incorporada ao patrimônio do contribuinte. Dessa forma, a mera expectativa de ganho futuro ou em potencial não é tributável pelo imposto de renda, uma vez que não é uma renda efetivamente disponível, a exemplo do ajuste de valor justo.
E o que vem a ser uma renda disponível juridicamente ou economicamente? A disponibilidade econômica é o efetivo recebimento da renda, com a possibilidade de usar, gozar ou dispor dela. Em outras palavras, a renda disponível é aquela que está nas mãos. Já a disponibilidade jurídica é a aquisição de um direito sem qualquer condição suspensiva, ou seja, é o acréscimo patrimonial, em que já existe um título para seu recebimento, mas ainda não está economicamente disponível. A título de exemplo, caracteriza disponibilidade jurídica para o locador do imóvel, quando a imobiliária recebe o aluguel do locatário, mas ainda não o repassou ao locador.
Criptomoedas e a Complexidade da Tributação
Agora, voltemos nosso olhar para as criptomoedas. Diante da falta de regulamentação específica, surge a questão: as operações com criptomoedas geram uma renda tributável? A resposta não é simples, dada a volatilidade desses ativos e o gap legislativo sobre o tema.
As criptomoedas sofrem constantes variações de ativos, com ganhos potenciais e incertos. No entanto, pelo princípio da realização da renda, para uma renda ser tributável pelo Imposto de Renda, é imprescindível que tenha sido adquirida de modo definitivo, incontestável e incondicional. Tributar a valorização de criptoativos antes de sua realização efetiva ofende a legislação infraconstitucional e, em última análise, a própria Lei Maior, uma vez que esta traz, de forma implícita, os limites à tributação sobre a renda.
A dúvida persiste: em que momento considerar definitiva a disponibilidade da renda proveniente da valorização das criptomoedas? A resposta parece depender da efetiva utilização desses ativos em operações.
A alienação, com contrapartida em dinheiro/moeda, por representar um acréscimo patrimonial, indica de forma inequívoca a disponibilidade da renda de forma definitiva, o que consubstancia em fato gerador do imposto de renda.
Permuta de Criptomoedas: Desafios e Controvérsias
A falta de legislação clara levanta debates acalorados. Contribuintes citam precedentes sobre permuta de imóveis para argumentar contra a tributação, amparando seus entendimentos no Despacho nº 167/2022 da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional, que afirma que a permuta entre imóveis não representa receita, faturamento, renda ou lucro para fins de tributação, bem como na Solução de Consulta Cosit nº 166/2019, que estabelece não considerar como ganho de capital a permuta de imóveis sem torna. Sob outro ângulo, a Receita Federal, resguardando-se na Solução de Consulta Cosit nº 214/2021, sustenta que as trocas de criptoativos são alienações que promovem ganho de capital, portanto, sujeitas ao Imposto de Renda.
E quando a valorização da criptomoeda é usada para adquirir outros bens ou serviços? A resposta não é definitiva. Alguns alegam que, sem torna, trata-se de uma permuta entre bens distintos sem aquisição de renda nova, não sendo fato tributável. Outros argumentam que, ao adquirir bens ou serviços, a diferença entre o valor de aquisição do criptoativo e o valor de mercado configura ganho de capital tributável.
Perspectivas Futuras e Atual Cenário de Debates
Em um cenário em constante evolução, os debates sobre a tributação de criptomoedas são numerosos e diversificados. Com ausência legislativa, contribuintes e Receita Federal mantêm posições opostas, gerando uma lacuna que ainda não parece próxima de ser preenchida.
À medida que esse tema relativamente novo continua a ser explorado, é fundamental manter-se informado sobre as nuances legais e as perspectivas em constante mudança. A pacificação desse cenário pode estar distante, mas a compreensão aprofundada é o primeiro passo para enfrentar os desafios que surgem na interseção entre criptomoedas e tributação.